O Discurso

TIPOS DE DISCURSO

Outro aspecto intimamente ligado ao foco narrativo é o tipo de discurso utilizado pelo narrador.
Discurso é um termo que se refere às possibilidades de que o narrador dispõe para apresentar a fala das personagens.

Discurso Direto

Quando a fala da personagem é apresentada de modo integral, sem a interferência do narrador, diz-se tratar de um discurso direto. Para registrá-lo, o narrador pode fazer uso de um verbo dito elocucional (falar, dizer, perguntar, retrucar etc.) seguido de dois pontos (:) e de travessão (-) na linha seguinte. Essa é a apresentação mais tradicional dos diálogos na narração.

“A voz de Juliana, plangente, disse:
- A senhora dá licença que eu vá logo ao médico?
- Vá, mas não se demore. Puxe-me essa sala atrás. Mais. O que é que você tem?
- Enjôos, minha senhora, peso no coração. Passei a noite em claro.”


QUEIRÓS, Eça de. O primo Basílio.


Nas narrativas contemporâneas, também é comum a separação da fala das personagens por meio de aspas (“ “) no lugar dos travessões.


Discurso Indireto

Neste caso, em lugar de apresentar a fala das personagens tal como ocorre em uma diálo, o narrador reconstrói por meio de sua linguagem o que as personagens teriam dito. Veja:

"Capitu, a principio, não disse nada. Recolheu os olhos, meteu-os em si e deixou-se estar com as pupilas vagas e surdas, a boca entreaberta, toda parada. Então eu, para dar força às afirmações, comecei a jurar que não seria padre. Naquele tempo jurava muito e rijo, pela vida e pela morte. Jurei pela hora da morte. Que a luz me faltasse na hora da morte se fosse para o seminário. Capitu não parecia crer nem descer, não parecia sequer ouvir; era uma figura de pau.”

ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. Rio de Janeiro: Nova Aguiar, 1992.


Repare que, em lugar de transcrever a sua fala quando rapaz, o narrador reproduz, m terceira pessoa, o que teria dito à amiga naquela ocasião. Trata-se, portanto, de uma utilização do discurso indireto.


Discurso Indireto Livre

Terceiro modo de o narrador organizar o discurso na narrativa, este é também o mais complicado, porque envolve a combinação de diferentes pontos de vista. O narrador insere “falas-pensamentos” das personagens no seu próprio discurso, dificultando a identificação precisa de quem seria o responsável pelo que está sendo dito (narrador ou personagem).

“Agora a chuva parou. Só está frio e muito bom. Não voltarei para casa. Ah, sim, isso é infinitamente consolador. Ele ficará surpreso? Sim, doze anos pesam como quilos de chumbo. Os dias se derretem, fundem-se e formam um só bloco, uma grande ancora. E a pessoa está perdida. Seu olhar adquire um jeito de poço fundo.Água escura e silenciosa. Seus gestos tornam-se brancos e ela só tem um medo na vida: que alguma coisa venha transformá-la. Vive atrás de uma janela, olhando pelos vidros a estação das chuvas cobrir a do sol, depois tornar o verão e ainda as chuvas de novo. Os desejos são fantasmas que se diluem mal se acende a lâmpada do bom senso. Por que é que os maridos são o bom senso? O seu é particularmente sólido, bom e nunca erra.”

LISPECTOR, Clarice. A fuga. In: A bela e a fera. 5. Ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995.


No inicio do texto, temos a nítida impressão de que o narrador nos está apresentando reflexões da personagem (“Não voltai para casa. Ah, sim, isso é infinitamente consolador. Ele ficará surpreso?”). A partir daí, porém, fica mais difícil discernir quem fala o quê. O comentário sobre o peso dos doze anos de casamento é feito por quem?
De quem é a observação sobre os maridos (“Por que é que os maridos são o bom senso?”) feita no final do trecho citado?
Sempre que a fala (ou o pensamento) da personagem se confundir com a voz do narrador, diz-se que foi utilizado o discurso indireto livre.

Nenhum comentário:

Postar um comentário